Before I Go- Antes que eu vá -PRÓLOGO

Dizem que quando morremos, nossas vidas passam inteiras diante dos nossos olhos. Eu particularmente nunca gostei da ideia, até por que como a minha mãe diz, algumas coisas ficam melhores mortas e enterradas.
Eu ficaria feliz em não ter que lembrar, de todo o meu 6 ano do fundamental (a época do aparelho ortodôntico, que não me deixava fechar a boca direito e dava a impressão que eu estava sempre sorrindo como uma débil), ou das minhas crises de gagueira durante os seminários na aula da Senhorita Isabelle. E quem é que gostaria de lembrar do primeiro dia de aula na escola nova? As quedas no meio do pátio, na frente de todos os alunos, as vezes em que chamaram meus pais na diretoria, o dia em que quase arranquei um pedaço da língua do Karl Seelis, quando fui dar o meu primeiro beijo de língua. Lembro até hoje da cara de dor do Karl, e gosto inesquecível de sangue durante o beijo. As cólicas menstruais, as notas ruins, as garotos idiotas que me fizeram chorar, as intermináveis aulas de matemática sem o menor propósito, as vezes que vi minha mãe chorar, o dia em que meu cachorro o Flips morreu. Enfim, todas essas coisas que eu não faria questão alguma de rever depois da minha morte.
Acho que, se fosse para escolher, o que eu realmente gostaria de relembrar seria o que chamo de “Os melhores momentos de Lua Maria Kingston Blanco”, como no dia em que fui ao baile de fim de ano do 9 ano, eu não tinha par então fui acompanhada das minhas melhores amigas, eu e a Joanna dançamos tanto que ficamos com os pés cheios de calos, ou o dia em que fui a festa da Jhulie Campelo, ajudei Sophia a sair da festa sem ninguém perceber que ela estava com o vestido sujo de sangue após ter menstruado pela primeira vez, e nos tornamos melhores amigas. Lembraria também das diversas vezes que eu, Ally, Joanna e Sophia queimamos aula para ir a uma padaria próxima ao colégio e nos entupi de doces como se não houvesse amanhã, o dia em que fui pedida em namoro pelo Antony Seixas o garota pelo qual eu era apaixonada na época, ou o primeiro beijo bom de verdade que dei na vida num colega de classe durante a aula de Educação Física.
São esses entre muitos outros os momentos dos quais eu realmente quero lembrar depois de tudo.
E foram exatamente essas coisas, que mesmo pequenas fizeram minha vida valer a pena. Ou, ao menos, fizeram parecer que valeu a penas ter vivido.
E não. Não vemos nossa vida inteira diante dos nossos olhos após a morte. Muito menos os melhores momentos. Como eu sei disto?
 Bom, eu sei disto porque eu morri.
Pode parecer estranho dizer isto, mas depois da morte as coisas não parecem tão estranhas assim.
Depois da morte, ou ao menso da minha morte, não vi a minha vida inteira, nem as partes que eu queria ter visto, eu vi apenas flashes. Flashes desconexos, de cenas da minha vida que nem eu me lembrava mais. 
Vi Melanie Fronckowiak, uma garota que estudou comigo desde o primário. Nós estávamos no 7 ano, durante a aula de português:
- … A obesidade pode até levar a morte.- Joanna lia o texto durante a aula de português, na frente de toda a turma, eu e ela já eramos amigas nesta época. Todos prestavam atenção nela, que desde esse tempo já era muito popular.- … pessoas obesas -ela parou por alguns instantes, olhou para a sala todo em especial para Melanie Fronckowiak e continuo, num tom alto de voz, e com um sorrisinho de quem vai aprontar no rosto- Pessoas obesas, cujo sinônimo é MELANIE FRONCKOWIAK nossa mascote com excesso de fofura- ela disse irônica. Só bastou isso para que todos caíssem na risada, inclusive eu. E também só bastou isto, para Melanie sai correndo e chorando da sala, com um tanto de dificuldade, ela realmente tinha problemas com o peso.
A professora, logo em seguida foi atrás dela, deixando a sala que ainda ria da piada nem tão engraçada assim da Joanna, que permaneceu em pé na frente de todos, e logo depois de ver que a Melanie tinha saído correndo disse- E a nossa mascote sai de cena causando tremores de terra de 6,0 graus na escala Richter. - Pronto, todos riram mais ainda.
Não sei porque ao certo essa lembrança me veio a cabeça, na verdade eu tinha me esquecido completamente disto a muitos anos atrás. Até porque cenas como essas acontecem todos os dias, em todos os cantos do mundo. E também acho que a Melanie não ficou tão traumatizada assim. Ok, que ela sumiu por uns 6 meses depois do acontecido e voltou completamente mudada visualmente pro colégio, só visualmente porque continuou a mesma timidez e nerd de sempre. Mas ela nunca pareceu traumatizada, ou coisa do tipo.
Mesmo não que neste dia, eu particularmente não tenha sentindo nada especial, foi nele que eu pensei após minha morte. Não, eu não tenho nenhum tipo de ligação com a Melania, só nos falávamos, na minha fase nerd, e nos tempos em que eu era zoada. Depois que me tronei amiga da Sophia Abrahão, minha vida mudou completamente. E puxa vida, eu morro e a lembrança dentre todas que vem a minha mente é a de uma garota que eu mal conheço.
Não vi minha mãe, pai, imã, minhas melhores amigas e nem o Fê, meu namorado. Apenas uma garota, que eu não tinha nem um tipo de ligação.
Vi também o Arthur Steven Aguiar. Vi flashes, lembranças do garoto que permaneceu na minha vida durante a minha infância inteira. Nos afastamos muito depois que nós fomos estudar no Thomas Jefferson, eu me tornei popular, e ele… Bem, ele continuo sendo o garoto zoado e que andava pra lá, e pra cá sempre com um violão pendurado nas costas.
Lembrei do RoobertChay Domingues, uma maluco que estudava comigo e era meu vizinho de porta, lembrei da Jhulie Campelo uma garota sem sal de risada escandalosa e jeito meio maluco, lembrei da Jessica Nicols uma típica garota insuportável e oferecida do meu colégio, lembrei do Micael Borges, um garoto da turma dos bagunceiros do qual a Joanna amava zoar o chamando de pobre pão-com-ovo, lembrei do Kent Berry , da Pérola Faria, da Carla Diaz, vi todas as pessoas das quais nunca me importei em vida. Exatamente essas pessoas que eu nunca pensei me lembrar em morte.
Mas porque? Cadê os melhores momentos? Cadê as lembranças das minhas amigas? Do meu namorado? 
Pois é. Em nenhum momento os vi. Após a minha morte via apenas momentos que eu nem me lembrava mais que eu tinha vivido. Momentos esses com pessoas que nem meus amigos eram. Por que? Nem eu sei.
Só sei de uma coisa: quando nós menos esperamos as coisas acontecem. Isso é uma certeza, talvez uma das poucas que tenho, além é claro de saber que o fim de tudo é a morte. Essa certeza é a minha realidade agora.
O inesperado e a morte. Foram duas coisas que fizeram parte daquela sexta-feira, 17 de maio.
O dia em que eu morri.

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