O poder da persuasão -capítulo 5

         Fiz o caminho para a diretoria fervendo de raiva e frustração. Não acreditando no que tinha acontecido. Eu nunca fui o que se pode chamar de aluna modelo desde que entrei no Thomas Jefferson. Me meti em algumas confusões desnecessárias com certas garotas e matei algumas aulas para ficar com minhas amigas, além é claro dos meus atrasos frequentes, minhas notas que antes do ensino médio eram sempre azuis e uma das maiores da turma, mesmo não sendo tecnicamente o que se pode chamar de nerd, agora tinham caído significantemente. Eu não cheguei a reprovar em nenhum matéria, no máximo algumas recuperações e provas finais, para ser sincera desde que me tornei amiga das meninas minha vida ficou mil vezes corrida, e antes as noites de solidão ou de bobeira com Arthur (quando ainda nos falávamos, detesto lembrar desta época) onde eu passava estudando mesmo que sem muito afinco, tinha sido substituídas por festas, ou escapadas pela janela para ver Fernando.
         Mas mesmo com tudo isso eu sempre consegui me virar graças a minha persuasão, eu consigo convencer os professores a me dar aqueles meios pontos de que preciso, ou prolongar a data de entrega de algum trabalho que eu possa ter esquecido, enfim eu sempre acabava conseguindo passar por essas situações sem muitos problemas. Até o diretor Araripe que tem fama de durão eu consigo contornar, dito tudo isso, dá pra saber que ser expulsa de uma turma, logo da matéria que tinha me perseguido por todo ensino médio por causa das gracinhas, fora de hora, de um moleque qualquer me tirou do sério. 
Quando cheguei na secretaria percebi a porta da sala do diretor fechada, fui ao balcão onde Dalia, uma das secretárias digitava concentrada em seu computador, coloco a mochila no balcão sem discrição alguma para que ela perceba minha presença.

- Aqui está sua folha de ausência. - ela diz quando me nota, com voz de tédio e tirando uma folha de uma pilha a sua esquerda - Traga assinada por um responsável até amanhã que eu faço o encaminhamento ...
- Não vim pegar um folha de ausência. -digo impaciente. Ela já deve está acostumada a me ver aqui por esse motivo que já é até automático. - Vim falar com a conselheira, preciso me inscrever numa turma de biologia.
-Nós estamos em Maio - ela diz ainda parecendo entediada e colocando o papel novamente na pilha. -não tem nenhuma turma aberta agora, todas estão completas, não tem como entrar numa agora.
Já esperava por isso, estamos quase na reta final do primeiro semestre, mas eu não podia ficar fora de uma turma de biologia, isso pode complicar tudo e até fazer com que eu me forme depois de todo mundo e isso eu não ia aceita.
-Então avise ao senhor Araripe que preciso falar com ele. - digo já andando em direção a sala dele quando sinto uma mão em meu ombro. 
-Hey, sabia que eu ia te encontrar por aqui. -Micael estava atrás de mim com um copo de plástico na mão e o mesmo sorriso no rosto 
-Dá pra tirar a mão de mim! -digo zangada - E era bem óbvio que eu viria para cá já que fui expulsa por SUA causa! 
- Ei, calma aí princesinha. Se não me engano quando cheguei na sala você já estava encrencada o suficiente, não acha? - fico a ponto de matar ele quando percebo que ele ainda está rindo.
-Minhas encrencas não lhe dizem respeito, e antes de você chegar eu estava conseguindo contornar muito bem toda a situação com o professor e tudo que eu não precisava era de um desocupado para tirar o resto da paciência que ele tinha.
-Não é bem minha culpa se nem você nem o professor fazem sexo o suficiente para manter o bom humor. - ele fala e percebo Dalia rindo ao fundo. Só era o que me faltava!- E além disso, relaxa, sendo a queridinha da escola como você é - ele fala isso em tom de deboche - não vão acabar com seu histórico por conta disso. Tem que relaxar como eu oh! - ele faz uma dancinha ridícula e pisca pra Dalia e ela parece se derreter.
-Se estivesse tão relaxado como diz não teria vindo para a diretoria assim como a "queridinha da escola" aqui - digo repetindo o tom que ele usou - não acha?
-Na verdade eu só vim pelo café. - ele balança o copo que estava em sua mão e Dalia volta a sorrir e vai pegar café para ele. Ele já conseguiu me tirar do sério, e só posso lembrar de Joanna falando tão mal desse jeito dele, decido não discuti mais.
-Se você não se importa em terminar o ensino médio é problema seu, mas eu não quero ter que desorganizar todos os meus planos por causa da porcaria da aula do SR. Anthony, então se me der licença preciso resolver isso de uma vez. - falo novamente indo em direção a sala do diretor.
-Ah, -Dalia diz - esqueci de dizer que o diretor já está com um aluno lá dentro, então se não se incomoda é melhor sentar para esperar ele sair. E se essa história de expulsão é verdade Mica - ela fala com ele como quem fala com um bebê, cheia de intimidade o que me faz revirar os olhos. Fico pensando se eles não tem algo escondido, mesmo ela sendo uns 7 anos mais velha que ele e não tendo o que Sophia chamaria de senso comum de bom gosto, ela não é tão horrorosa assim.- é melhor você ficar também.
 Então nós dois sentamos nos sentamos nas cadeiras de espera.

Depois de uns 20 minutos que pareceram uma eternidade visto que Micael e Dalia não paravam de conversar, e qualquer bobagem que ele falava parecia um motivo para ela soltar uma risadinha irritante, a porta da sala do diretor Araripe se abre e vejo Arthur Aguiar saindo com cara de quem sai de um playground. 

- Dale parceiro - Micael abre um sorriso quando ver o amigo cruzando a porta- Batendo ponto por aqui!
- Não podia faltar logo hoje né?! -Arthur responde vindo abraçar o amigo. Eles se cumprimentam com um toque que deve ser secreto entre eles. Lembro que quando eu costumava ser amiga de Arthur nós também tínhamos um. Tento expulsar essas lembranças da minha mente.
-Então o que é que pegou? -Arthur pergunta para Micael.
-Nada, - Micael fala e se eu não estive a par de tudo acharia que realmente nada aconteceu, pela calma com ele se portava -apenas acabei tendo que lidar com alguns incidentes biológicos, e você, problemas na sala de informática de novo?
-Nada de mais também - ouço Arthur falar tão relaxado quanto o amigo, mas sem o mesmo tom brincalhão - mas, pelo visto é proibido tentar levar um pouco de diversão para os corredores durante o horário de aula...
 -Aguarde nas cadeiras senhor Aguiar enquanto eu decido o que faço com você,-o diretor Araripe aparece ao lado de Arthur saindo da sua sala com uma cara que não parecia em nada com a que Arthur fez ao sair - já que detenção após aula e convites frequentes para os seus pais virem aqui não parecem surtir efeito. - ele termina e só então percebe a nossa presença aqui.

- Micael Borges e Lua Blanco, parece que o clube está completo não é mesmo. Até estranhei que não estivessem aqui antes mesmo de eu chegar.- o diretor esbraveja, e não posso evitar revirar os olhos, quando ele me coloca no mesmo "clube" que os meninos - qual a razão do importuno hoje?
- Preciso falar com o senhor sobre um incidente - uso a mesma expressão usada por Micael, para não falar logo de cara que fui expulsa - na aula de biologia do professor Anthony.
- Bem, e o senhor Borges, o que é que faz aqui? -ele pergunta dando de ombros, venho tanto a diretoria que ele que percebo que ele nem fica mais curioso sobre as razões, digo o mesmo sobre Micael e Arthur, pois sempre que venho os encontro.
-O mesmo que a senhorita. - ele fala tentando imitar o diretor.
-Bom, -Araripe diz sem se importar com a brincadeira - os dois juntos é novidade, entrem! -ele diz voltando para sala e sinalizando para que seguíssemos ele - E você Arthur, fique aqui.

Quando ele toca no nome de Arthur e eu olho pela primeira vez para ele percebo que ele estava olhando para mim, como se estivesse me investigando e quando eu o encaro ele desvia olhar. Ele diz - Ok, não tenho nada mais importante para fazer de qualquer forma, como por exemplo assistir aula, não é? - o tom sarcástico na sua voz é até cortante, e eu não consigo me conter antes de soltar um risinho.
O diretor apenas bufa e segue, mas antes de entrar na sala olho por cima dos ombros não sei bem porque e Arthur ainda está lá me olhando.
Percebo que tenho uma curiosidade indesejada um tanto quanto grande demais por tudo que o envolve. Nós não temos uma conversa faz anos, depois de uma amizade que durou quase a minha vida toda e grande parte da minha pré-adolescência eu e ele tínhamos nos distanciado completamente desde que me tornei amiga de Sophia e consequentemente de Joanna e Ally durante o oitavo ano.

Desde então ele (e eu também) tinha mudado bastante. Ele não era mais o garoto baixinho e tanto deslocado que andava pra lá e pra cá de bicicleta e fazia planos malucos para consegui descobrir se as histórias de fantasmas que liamos eram de fato verdade, que me tirava da cama às três da manhã (que ele dizia que era a hora dos fantasmas) para que fossemos até o parque esperar por uma aparição. Ele não era mais o menininho um tanto travesso, mas muito doce que chegou a quebrar o braço de um colega para me defender.
Agora quando o olhei vi um  um garoto diferente, os cabelos ainda eram muito pretos, assim como os olhos, mas ele tinha crescido, ele já não usava mais a camisa azul da Mansão Foster para amigos imaginários, nem muito menos a do Scooby Doo. Ele estava lá com sua jaqueta de preta desabotoada,jeans aleatoriamente rasgado, e um all star gasto com cordões pintados de vermelho provavelmente com caneta e uma camisa que por si só poderia causar uma suspensão se fosse um aluno menos corriqueiro na diretoria, era uma camisa do Family Guy bastante politicamente incorreta. A única coisa que não mudou, é o violão que percebo pendurado nas costas, como ele vivia desde de pequeno.
Olhei para ele só por alguns segundos, mas consegui absorver tudo isso só com um olhar. Me sinto estranha, mas só de pensar que mesmo depois de anos eu ainda me lembre tanto dele, que ainda de certa forma a voz dele me desperte atenção, me deixa confusa.
Ele e eu somos pessoas diferentes agora -penso comigo mesma - e é isso.


Na diretoria tento fazer o meu melhor papel de "aluna não tão boa, mas esforçada e participativa" para o diretor Araripe, mas ele parece apenas cansado e não dá muita bola. Parece que hoje não é realmente o meu dia de sorte e Micael que nunca para de falar resolveu que hoje ia tirar um dia para contemplar a paisagem da janela da sala do diretor sem dizer uma única palavra. Por um lado isso é bom, pois posso tentar convence-lo sem contar com as piadinhas que poderiam encrencar a gente ainda mais, por outro lado é péssimo por que da forma que ele age parece que nenhum de nós se importa de fato com o ocorrido.

- ... isso mostra como tudo isso foi um baita exagero. - completo meu argumento que fiquei maquinando durante o tempo em que fiquei na sala de espera - Ele abusou do direito dele como professor e da irritação que ele já havia acumulado por muito tempo, por várias razões; como ter que dar aula naquela sala caindo aos pedaços - quando falo sobre a sala consigo despertar a atenção do diretor, percebo que é isso que tenho que fazer para consegui tocá-lo com minha atuação - que fica na pior parte do prédio de ciências biológicas, perto demais da mata e daquele lago cujo o cheiro não é nada agradável. Não o culpo pelo seu estresse já que com um ambiente de trabalho como aquele não tem como ter um humor razoável. Mas não é motivo para ele expulsar, a mim pelo menos. - falo com a voz mais indignada que consegui fazer, mas com um ar de vítima e olho diretamente para o senhor Araripe que parece contrariado.
-Aquela sala não é tão ruim assim como diz -ele fala, e percebo que esse foi o único ponto em que prestou atenção - foi reformada a alguns anos, e o lago é uma marca registrada do espaço escolar.

Claro que é "uma marca registrada da escola" principalmente para os alunos mais alternativos que vivem indo lá para fumar e matar aula, mas isso não tira o fato de que ele precisa de uma limpeza urgente. Penso em dizer isso, mas é óbvio que não abro a boca para não me encrencar mais.
-Ele ganhou todo os materiais de biologia que queria - Araripe continua um tanto indignado - tubos de ensaio, microscópio, e etc. Não tem motivos para se estressar como a senhorita diz...
- Não estou aqui para discutir o estado das salas de aula - digo cortando-o percebendo que se não o fizesse a conversa se basearia apenas nisso - quero saber o que o senhor vai fazer em relação a injustiça que eu sofri. -digo com uma indignação real agora.
-Que nós sofremos. -Micael levanta o braço como se alguém estivesse fazendo uma chamada.
-Não posso falar por você. -digo dando de ombros.
-Não precisa falar por mim, é de sabedoria geral que sou um amorzinho e todas essas coisas - Micael fala meio afobado - relaxa aí Diretor, o senhor bem que podia convencer Tonynho a aceitar a gente de volta.- ele aponta para mim e para ele mesmo, e percebo o diretor vacilar.
-Sinto muito, mas não posso fazer nada por vocês, essa decisão só quem pode tomar é o professor. - ele diz olhando para nós dois sem nenhum expressão aparente - E pelo histórico de vocês, amorzinho é que não são se fazem visitas tão frequentes a minha sala.
-Falar com ele não te mataria -falo antes rápido antes que ele se canse daquilo e simplesmente nos mande embora da sala dele - e como diretor eleito pensei que tivesse mais poder do que um concursado qualquer.
-Não é bem assim! - Araripe diz e percebo que mexi numa ferida aberta.
-Mas está parecendo. - digo - Ele me pareceu bem feliz quando viu que estava deixando a turma com medo quando nos expulsou, acho que ele está solto demais achando que pode tudo, sem falar dos alunos que fazem o que bem querem. Um pouco de autoridade não mataria ninguém e mostraria a todos que essa escola tem de fato um diretor.
-Todos sabem disso, -Araripe diz agora realmente interessado na conversa, e percebo que de fato consegui o que eu queria: deixá-lo intrigado - eu dirijo essa escola com mãos de ferro, e todos são bastante conscientes.
-Bom, se é o que o senhor pensa... -Micael fala entrando no meu jogo, ele tem um sorriso no canto da boca.
-O que quer insinuar com isso? - o diretor falar ajeitando a gravata nervoso.
-Não é insinuação, é uma constatação... -digo baixo com tom de obviedade e vejo que é hora de agir - mas bem se não vai tomar nenhuma atitude, eu preciso ir tenho outras aulas para assistir. - falo me levantando e vejo que Micael entendeu o que eu estava fazendo e então levanta também.
Olho para Araripe uma última vez e ele está fervendo de raiva. Quando estamos prestes a sair da sala quase suando frio com medo de que a nossa tentativa de instigá-lo não desse certo ele grita:
-Esperem!
Micael e eu nos entreolhamos tentando conter um sorriso, e por incrível que pareça ele tem mais sucesso que eu. E então voltamos a sentar.
-Se esse abuso de poder cometido pelo professor, realmente for verdade -Araripe não para de ajeitar a gravata nervosamente e fala um tanto irritado - ele não tinha esse direito já que como diretor sou eu quem dito as regras, como sabem bem. Por isso esse caso será revisto, e segunda-feira mesmo vocês poderão voltar normalmente a assistir as aulas do professor Anthony.
Eu tento não sorrir abertamente, mas é quase impossível. Araripe nos olha e acrescenta: Mas... ele deve ter os motivos dele, e eu conheço vocês dois mais do que gostaria de tanto que veem aqui. Por esta razão os dois serão punidos. E eu já sei como.

Tentamos negociar, mas depois de ter conseguido o meu objetivo principal não quis força a barra mais ainda então fomos com o diretor para fora da sala onde ele ia designar tarefas para nossa punição. Arthur ainda estava lá, jogado em uma das cadeiras com os pés apoiados no balcão. Ele brincava com as chaves da sua moto mão, e ergueu os olhos quando nos viu.
-Finalmente, estava quase com vontade de ir para aula de geografia de tanto tédio. -ele diz se ajeitando quando percebe o olhar irritado do diretor para os seus pés no balcão.
Micael ri e diz - Poxa, então devia está de morrer aqui, porque só assim para querer aguentar aquela tortura.
Arthur abre um sorriso que mesmo que fraco ilumina o rosto dele de forma divertida. E novamente, tenho que dizer para mim mesma para parar de prestar atenção nele, mas é muito difícil já que ele também me observa timidamente, ou pelo menos eu penso que sim.
- Então, o senhor poderia dizer logo qual é a punição porque eu também tenho aula para assistir. - falo e não quero me prolongar aqui já que marquei de matar aula com Fernando no segundo horário que tinha acabado de começar.
- É justamente o oposto senhorita - o diretor diz orgulhoso - daqui vocês irão direto para o grêmio ajudar com os preparativos finais para o dia do cupido. Juliana Rolim a presidente do grêmio já veio aqui umas 15 vezes desde ontem me perguntar se tinha alguém de castigo para poder ajudar os alunos a organizar as lembrancinhas e presente. E como eu tinha um pressentimento que vocês viriam aqui hoje já avisei de que os mandaria. Agora se me dão licença...
-O senhor não pode nos tirar da aula para cumprir o castigo. - digo com voz esganiçada, eu sei que eu não queria ir exatamente para a aula e acabo soando pouco convincente.
Arthur solta uma risada falsa : Não sabia que se importava tanto assim com as aulas Blanco. - ele diz falando pela primeira vez, em ...meses, (dias, anos... nem sei mais) diretamente comigo. E ele parece saber mais do que eu gostaria sobre o que eu ia fazer, pela forma como diz meu nome o que me deixa desconfortável.
- Não é da sua conta...- começo mais sou interrompida pelo diretor.
-Chega disso!- Araripe diz - Não é porque você é influente na escola que vou está sempre passando um corretivo em tudo que você faz senhora Blanco, até porque de suas amigas você é a única que eu vejo todo dia por aqui. Mesmo sendo muito convincente sei que sua frequência nas aulas não é das melhores, e o senhor Arthur não preciso nem falar sobre já que é de conhecimento geral, o mesmo se aplica a Micael. Agora sem mais comentários os três para o grêmio.

Fomos então para o grêmio, eu irritada e nervosa pois logo no dia do acontecimento mais importante da minha vida com o Fernando eu não ia conseguir me encontrar com ele com antecedência. E para piorar eu ia passar a manhã inteira ajudando no evento que eu mais odiava por diversas razões: O dia do Cupido.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Before I Go- Antes que eu vá -PRÓLOGO

Before I go - Antes que eu vá

O que há por trás da Raiva e do Amor