17 de Maio 9:25 da manhã

            Após a ordem do diretor nós seguimos os três para a sede do grêmio, que ficava numa das salas destinadas para os clubes, por detrás do auditório. Durante o trajeto pude perceber o quanto aquele evento mexia com a organização da escola.
Os corredores estavam ainda mais tumultuados, cheios de alunos que fazem parte do grêmio de um lado pro outro carregando caixas com cartazes e pregando eles por todo lado, outros já estavam distribuindo os presentes de fato para as pessoas que estavam nos corredores. Todo aquele falso clima de confraternização me deixava enjoada. Sempre odiei o Dia do Cupido por diversas razões, parte por que num Dia do Cupido de alguns anos atrás ocorreu um dos piores acontecimentos da minha vida, e segundo por isso tudo ser uma grande falsidade.

            Essa história toda começou bem antes de eu estudar aqui, os alunos queriam fazer algo para comemorar o Valentine´s Day aqui no colégio, mas pelo que eu sei o diretor da época não permitiu que eles fizessem uma festa especialmente para isso, já que nós já fazemos baile no Dia dos Namorados em Junho e ele não queria ter mais gastos para o mesmo propósito fazendo outra festa também em Fevereiro. Por isso os alunos do grêmio da época criaram o Dia do Cupido, que não era só uma confraternização entre casais, mas também uma oportunidade de presentear os amigos, já que você pode mandar presentes e flores para qualquer um e ao final do dia, todos os alunos se reúnem e fazem uma festa para a escola toda. De uns anos para cá eles mudaram a data do evento para Maio um pouco antes das provas do fim do semestres, para não atrapalhar as comemorações do Carnaval e deixar o clima menos pesado para as provas.

Parece ótimo falando assim, mas a realidade é muito diferente. Desde que eu comecei a estudar aqui que percebi que o propósito do desse dia é o completo oposto disso. Acabou que com o tempo tudo isso virou uma grande competição, um luta de egos, e quem ganha mais presentes é o vencedor.Todo ano a disputa fica entre Joanna, Jhulie ou outra líder de torcida qualquer. Eu nunca disse isso para minhas amigas, nunca tive coragem de me abrir com elas de tal forma, mas para mim isso tudo não passa de uma grande besteira. Era para ser um dia legal onde você pode presentear seus amigos e no fim do dia festejar com eles, mas é só mais uma competição ridícula e insignificante, mas para Joanna, Ally e Sophia é algo de extrema importância então eu nunca discuti sobre isso, mas só de ver toda essa falsidade nos corredores fico bastante incomodada, e acho que não sou a única.

- Você precisa ser mais cuidadoso com o que faz, ou nada vai sair como o planejado, sei que não é de propósito, mas tente fazer tudo perfeito. - Carla Dias uma das garotas mais insuportáveis do Thomas Jefferson fala para Arthur quando ele estoura pela milésima vez um balão de hélio em forma de coração que estamos colocando num arranjo.

- Estou fazendo de propósito - Arthur disse com desdém o que deixou Carla Dias furiosa em apenas um segundo e eu não sei o que me deixou mais animada; a raiva dela, ou perceber que ele estava tão disposto a estragar tudo aquilo quanto eu - e o que eu planejo  é estourar cada uma dessas bolas e vazar daqui se você não for encher o saco de outro! - ele disse ainda sem emoção na voz, a encarando.

Nunca vi ela tão vermelha, parecia que alguém tinha xingado a mãe dela e eu não pude conter um leve sorriso. Carla Dias era uma piada pronta: ela se achava melhor que todo mundo da escola, vivia cagando regra por aí e sempre dava um jeito de entrar em contato com os professores e contar tudo de errado que qualquer um fazia, além do fato de por conta disso ela não ter nenhum amigo de verdade, e ficar andando sozinha por aí como uma inquisidora. Ela é a menina mais fofoqueira que o Thomas Jefferson já viu e sempre dava um jeito de descobrir tudo sobre todo mundo, inclusive foi ela que espalhou o boato de que a Joanna tendo um caso com o namorado da Jhulie, sobre o meu namoro com o Fernando, a separação dos pais da Ally e por aí vai.

- Se... se fizer isso eu vou diretamente falar com o diretor... -  Carla começa gaguejando.
- Claro que vai, é o que você faz não é? Sempre corre para fofocar sobre alguém, não sabe ficar na sua. - digo no mesmo tom que Arthur usou, sei que não tenho nada a ver com ele, e que nem deveria está o defendendo, mas só pelo prazer de irritar Carla já vale a pena.
- Você é outra que só está atrapalhando - Carla diz agora com mais coragem enquanto encara os meus arranjo de balões feios e mal feitos de propósito - se não quer ajudar pode ir direto se esconder atrás das suas amiguinhas nojentas e deixe o trabalho para quem quer faze-lo, mas não espere que eu me abstenha e não diga nada ao diretor, pois isso é o certo a se fazer. - ela diz orgulhosa.
- Você não cansa de ser uma cadelinha que baba o ovo do diretor? Já pensou que é por isso que ninguém gosta de você? - falo um pouco mais alto e percebo que as conversas na sala todas pararam e estão agora nos olhando.
- Argh... - Carla bufa frustada - posso ser cadela do diretor, mas ao menos não lambo o caminho para um bando de putas passar - ela fala vários tons a cima, com uma voz esganiçada - que dormem com namorados alheios e que sentem prazer em humilhar e destruir os outros. - ela fica sem ar ao terminar por está falando tão alto e a única coisa que consigo fazer é rir.
- Bom, não sei por que se ofende tanto já que nenhum dos "namorados" era o seu - digo com mais confiança do que tenho, mas não consigo deixar de sentir uma pontada de... culpa, tristeza. Nem sei bem o quê, com o que ela disse "sentem prazer em humilhar e destruir os outros" mas me recomponho.
- Aliás - completo antes que ela fale algo - nenhum garoto que conheço por mais desesperado que estivesse iria descer tão baixo para ficar com você, talvez seja isso que te incomoda tanto - falo sem pensar, tentando não senti culpa, e quando a olho finalmente vejo Carla com olhos marejando e todos a nossa volta cochichando. E então só para tentar afastar a pena que eu estava quase sentindo de Carla por vê-la prestes a chorar na frente de todos eu digo: - Você deveria se preocupar menos com que todo mundo faz e mais com o que sua mãe anda fazendo por aí. Tive notícias dela sabe.. - falei e então a sala explodiu em conversas novamente, todos curiosos, alguns já sabiam do que eu falava e outros apenas olhavam para a gente boquiabertos.

Carla estava lá parada, chocada com aquela situação e continuava me olhando as lagrimas descendo no seu rosto borrando a sua maquiagem. Cheguei a me sentir mal com tudo aqui por um momento, vê-la chorando daquele jeito não era realmente a reação que eu esperava dela, pensei que ela iria desconversar, me xingar, mas lá estava Carla, parada, trêmula e então percebi que eu havia ido longe demais, mas já não podia fazer mais nada.
Quando Ally me contou, eu jurei que guardaria segredo, e eu achei a história tão absurda que por um momento não acreditei, mas pela reação de Carla era tudo verdade. A mãe dela, segundo Ally, havia sido filmada e um vídeo dela um tanto.. íntimo com DOIS caras havia vazado. Eu nunca soube como Ally ficou sabendo, e desde que ela me contou a história correu a bocas miúdas pelos corredores, sem ninguém ter certeza de nada, agora todos sabiam e tinham absoluta certeza que não era só um boato.

Ela ficou parada por uns 10 segundo só me olhando enquanto chorava, o burburinho na sala era até desconfortável, todos esperavam que ela falasse algo e então ela simplesmente avançou em minha direção e colocou as mãos em volta do meu pescoço. Foi tão rápido e inesperado, eu estava tão absorvida na minha culpa por ter dito aquilo que demorei alguns segundos para entender toda aquela situação. Ela apertava as mãos no meu pescoço e me sacudia enquanto gritava algo que eu não conseguia entender, sentir minha garganta queimar, mas não consegui reagi.

 E então senti o aperto afrouxar e quando abri os olhos Arthur estava a minha frente segurando ela com muita força, e Micael e mais duas garotas e um garoto estavam ao meu lado, falando comigo, mas eu não conseguia entender apenas ouvi "Lua você está bem?", "Vamos levá-la a enfermaria." alguém gritava, mas  só conseguia prestar a tenção em Carla que continuava a gritar algo e tentar se soltar do Arthur, mas sem sucesso pois ele é consideravelmente mais forte que ela. Tenho certeza que a avançada dela tinha durado apenas uns dez segundos, mas a dor que eu sentia no pescoço e a falta de ar eram muito fortes. Quando recobrei por completo a consciência consegui ouvir.

- ... eu pedi! - Carla continuava a gritar, com a respiração vacilando e tentando sem sucesso se desvencilhar de Arthur - Ela me fez implorar, disse que não contaria para ninguém, disse que se eu fizesse o que ela queria ela me deixaria em paz!
- Para com isso Carla, você tem que se acalmar! - Arthur disse muito baixo só para ela ouvir, mas como eu estava próxima consegui escutar.
Olhei ao redor ainda sem ar e todos estavam de pé agora, os cochichos continuavam, mas agora muito baixo, todos estavam prestando atenção na cena, curiosos e alguns até filmavam.
- ...Lua... você tá me ouvindo! - só então eu percebi que uma das garotas ao meu lado era Sophia. Ela,  Micael  e outras pessoas me abanavam e  me faziam perguntas. - Peguem água para ela, rápido - Sophia dava ordens e no mesmo momento alguém me deu uma garrafa.
-Vamos para a enfermaria...  - Micael disse, mas eu o interrompi.
- Es... estou bem. - consegui dizer com a voz fraca. Ao fundo Carla ainda gritava, mas já não tentava mais se soltar de Arthur.

- Ela me prometeu, ela fez eu me humilhar, disse que ninguém ficaria sabendo - Carla gritou, consegui sentir o ódio em sua voz - mas... - ela fez uma pausa para recuperar o ar - agora é guerra.

- Lua vamos... - Sophia começou, ignorando Carla, mas eu estava tão absorvida no que ela dizia que não consegui me mexer. Fiquei me perguntando :de quem é que ela está falando? Quem fez ela se humilhar?  Mas não conseguia formar uma frase coerente só balbuciar algumas palavras.

- Espera Sophia - falei finalmente, ainda concentrada em Carla.
Ela olhou para mim e Sophia ainda com mais profundidade e então falou: - Vocês acham mesmo que isso vai ficar assim? Acham que podem fazer o que querem e bem entendem com todos, que o mundo inteiro gira ao redor dos seus umbigos e que é só? Eu não vou deixar barato! Vocês mexeram com a pessoa errada! - Carla gritou entre os soluços de choro e em tom claro de ameaça - Saibam que não sou a única que odeia vocês! Guardem as minhas palavras...

- Tudo bem Carla, - Arthur falou, novamente baixo, mas agora percebi que o silencio era tanto na sala que todos o ouviram - você precisa respirar...
- Quem precisa respirar é a minha amiga depois do que essa louca fez. - Sophia o cortou indignada.
- Cala boca Sophia - Arthur disse antes que Carla pudesse responder - sua amiga e Carla já deram o showzinho que queriam dar. Agora levem ela daqui que eu vou levar Carla lá para fora antes que ela surte de vez. - Arthur disse com tanta raiva em sua voz que eu senti Sophia encolher.
- Ah, logo agora que estava ficando interessante! - Chay Suede um dos garotos que estava filmando a confusão disse em tom de deboche e arrancou risadas pela sala.
- Te manca moleque! - Micael disse também irritado.
Arthur andou em sua direção, ainda segurando Carla e arrancou o celular da mão dele, e antes que ele conseguisse protestar Arthur disse - Vai ficar muito mais interessante. - e então seguiu em direção a janela, enquanto Chay ainda falava, mas só consegui ver Arthur jogando o celular de Chay que fez um barulho que deixava claro que havia quebrado.
A sala estava em completo silencia agora. Chay olhava furioso para Arthur, mas não tinha coragem de fazer nada e os outra garotas que ainda filmavam guardaram seus celulares e quando Arthur saiu da sala acompanhando Carla todos os olhares se voltaram para mim.

- Voltem a fazer o que estavam fazendo, como se nada tivesse acontecido. - Sophia disse e foi só ela falar que todos se dispersaram, ela tinha muito poder naquela escola, assim como eu Joanna e Ally, mas naquele momento eu não conseguia falar nada. Todo mundo começou a ser solidário depois disso, me trazendo água, ou perguntando como eu estava, mas não estava a fim de responder.

- Lua você não parece nada bem. - Sarah, uma garota que era uma amiga não muito próxima falou.
- Tá tudo bem, ela não fez tanto estrago assim. - tentei desconversar para o grupinho que tinha se formado ao meu redor, mas a realidade é que minha garganta doía muito e o ar entrava ainda com dificuldade.
- Lua para de mentir - Sophia me conhecia bem demais para acreditar - seu pescoço está vermelho e você está pálida que nem um fantasma. - ela dizia preocupa enquanto ajeitava meu cabelo - Vem, vamos te levar na enfermaria. - ela disse decidida.
- Não precisa... - tentei argumentar, mas ela me impediu.
- Nem tente dona Blanco - ela disse já de pé - você vai e ponto.
- Eu vou com vocês! - Micael disse surgindo do meu lado de novo.
- Por que logo Você iria? - eu perguntei irritada sabendo que com certeza nessa briga toda ele tinha ficado do lada da Carla, mesmo tentando me ajudar não tinha dúvidas que ele também não ia muito com a nossa cara.
- Por que quero uma desculpa para fugir desse grêmio - ele falou com sinceridade - nunca fui do tipo que curte o Dia do Cupido, e Arthur já fugiu mesmo. Não tem por que eu ficar aqui, vou ser bem mais útil te ajudando.

Olhei para Sophia para que ela falasse não, mas ela apenas deu de ombros.

Ela me fazia perguntas o caminho todo, mas eu não queria responder nada então quem contou tudo que houve foi Micael. Eu estava muito intrigada com toda aquela situação, sobre quem Carla falava, e sobre a culpa que eu senti em ter jogado aquilo tudo na cara dela. Mas para minha surpresa o que mais me irritava era o fato de que Arthur saiu com ela da sala, como se ela fosse a vítima, como se fosse ela quem foi esganada por uma louca,  como se ele estivesse a defendendo. Mesmo não falando com ele há séculos, eu ainda me sentia abalada dele ter me deixado lá para levá-la para "tomar um ar" e eu? Eu era quem mais precisava se acalmar, mas ele apenas falou do meu "showzindo" sendo que foi ela quem me atacou. Tive que me conter para não pensar mais sobre isso "Você tem namorado Lua, tem suas amigas, Arthur não é nada seu, não tinha que ficar do seu lado pois ele agora é só mais um mero estranho." repeti para mim mesma.

 Eu estava tão irritada e confusa com tudo que mal percebi que Sophia falava ao mu lado, ela estava tendo uma conversa com Micael, falando do ocorrido. E eu não podia ficar mais intrigada. Nunca pensei que um dia pudesse presenciar tal cena; Sophia e Micael falavam apenas sobre Carla, de como e porquê que ela me atacou, mas mesmo assim não parecia apenas uma simples conversa. Quando eu os olhava sentia como se não fosse só isso. Quando a olhei notei que ela o encarava enquanto falava parecia haver uma ligação entre eles, uma certa intimidade. Queria que Joanna estivesse ali para ver aquilo, pois tendo o ódio que ela tem dele ela não acreditaria em ver como Sophia uma das usas melhores amigas parecia tão íntima com ele, ela notou que eu a olhava e ficou muito vermelha.
- Chegamos. - Micael disse abrindo a porta da enfermaria.


O dia estava cada vez mais estranho. Expulsão de aula que tinha se revertido em punição em ajuda a organizar uma festa que eu não queria nem que existisse, que tinha me levado a uma briga inesperada com uma colega de escola que eu sempre odiei, que a levou a uma reação que eu nunca esperaria, que levou a minha irritação sem razão por um garota pelo qual eu nem deveria me importar e agora a sala gelada e ultra limpa da enfermaria.
"O que mais podia dá errado?" eu pensei, inocente sem saber que : sim podia ficar pior. E ia, pois dali há 14 horas eu estaria MORTA.


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